O "telhado de vidro" dos acusadores da Igreja Católica
Outro erro grave é imaginar que a Inquisição Católica foi a única inquisição religiosa que existiu. Nesse período histórico, os governos de todas as nações eram extremamente violentos, a lei e a ordem eram mantidas com mão de ferro e as penas eram sanguinárias em todas as culturas, tanto as cristãs quanto islâmicas, hindus e pagãs em geral. Parece que uma página muito especial é descartada deste capítulo da História, por muita gente, quando se discute o assunto Inquisição. Responda rápido:
1) Que instituição religiosa condenou mais de 300 pessoas pela prática de bruxaria, decretando tortura e pena de morte na forca às famosas "bruxas de Salem"?1
2) Que instituição religiosa levou à morte mais de 30.000 camponeses anabatistas na Alemanha?2
3) Sob que ordens o médico espanhol Miguel Servet Grizar, o descobridor da circulação sanguínea, foi condenado a morrer na fogueira?3
4) Quem mandou para a fogueira mais de mil mulheres escocesas, num período de seis anos (1555 - 1561)?4
Sem dúvida muita gente responderia rapidamente, sem pensar e sem medo de errar, que a responsável por todas as barbaridades citadas acima foi a Igreja Católica. Resposta errada: todos esses crimes foram cometidos pela Inquisição Protestante, que quase nunca é mencionada pelos maiores críticos da Igreja Católica, simplesmente porque esses críticos, na maioria das vezes, são protestantes. Conhecimento seletivo? Parece que sim. Certos "pesquisadores" de porta de boteco só procuram conhecer os fatos que parecem confirmar aquilo em que eles querem crer.
Ocorre que também aqui, em terra Brasilis, a maioria dos que atiram pedras contra os católicos por conta da Inquisição é formada por protestantes/"evangélicos", - como é o caso do blogueiro Júlio Severo, que em sua página publicou um lamentável artigo intitulado, simplesmente: "Como querem combater a cultura da morte (...) quando se sentem à vontade com a cultura da tortura e morte da Inquisição?"... Um leitor deste blog me pediu que visitasse a página e respondesse ao acusador sem noção. Lendo o texto, senti vergonha alheia, e por que será que eu não me surpreendi quando os meus comentários, respeitosos e puramente elucidativos, apresentando inclusive fontes bibliográficas para o esclarecimento do tema, não foram publicados, - enquanto uma série de outros, do mais baixo nível (do tipo que chama o Papa de 'besta do Apocalipse') figuram incólumes naquela mesma página?
O que mostra a História real, porém, é que o Sacro Imperador Romano-Germânico Fernando I deu liberdade aos luteranos na luta contra os anabatistas, e o próprio Lutero escreveu um discurso, em 1528, no qual encorajou a perseguição dos que considerava hereges2. Como resultado, grupos da Inquisição Protestante esfolaram vivos os monges da Abadia de São Bernardo (Bremen), e depois passaram sal em suas carnes vivas, antes de pendurá-los no campanário do mosteiro3. Em Augsburgo, em 1528, cerca de 170 anabatistas foram aprisionados por ordem do poder público protestante, sendo que muitos deles foram queimados vivos e outros marcados com ferro em brasa nas bochechas ou tiveram a língua cortada.2 O célebre teólogo Johann Matthäus Meyfart (protestante ele próprio) descreveu a tortura aplicada pela Inquisição protestante, que ele presenciou, qualificando-a como uma intolerável “bestialidade”2, nos seguintes termos:
“Nos países católicos não se condena um assassino, um incestuoso ou um adúltero a mais de uma hora de tortura. Na Alemanha protestante, porém, a tortura é mantida por um dia e uma noite inteira; às vezes, até por dois dias, outras vezes até por quatro dias e, após isto, é novamente iniciada. Esta é uma história exata e horrível, que não pude presenciar sem também me estremecer" ('Christliche Erinnerung, an Gewaltige Regenten und Gewissenhafte Prädikanten', 1629-32)
Importante - Por que mencionamos aqui, de modo especial, o "telhado de vidro" dos protestantes, acrescentando a este estudo o fato de eles simplesmente não terem moral para condenar os católicos? Nossa intenção não é (o que seria infantil e totalmente improdutivo) a vã disputa, e menos ainda buscar a nossa justificação nos pecados alheios. Só o fazemos para demonstrar a veracidade incontestável do primeiro ponto que apresentamos neste estudo: não é possível julgar fatos ocorridos em outras eras usando os padrões de moral de hoje, e ninguém, absolutamente ninguém, tem autoridade para fazê-lo. Se agirmos assim, não restará pedra sobre pedra, e a única solução possível seria renegar não só as religiões, mas também todas as ideologias e instituições humanas da História. Senão, vejamos:
• O judaísmo, raiz de praticamente todas as religiões ocidentais, em sua origem foi uma religião de práticas que hoje seriam consideradas hediondas. Prescrevia a matança dos desajustados e o apedrejamento dos blasfemos. Considerava imundas as mulheres no período menstrual, incentivava o ódio aos povos estrangeiros.
• O hinduísmo/brahmanismo legou à Índia um sistema que perpetua a crença na superioridade de certas classes de seres humanos sobre outras, e a cruel e violenta opressão da maioria sofredora. É o código sócio-religioso fundamental do hinduísmo, que influencia toda a estrutura daquela sociedade até os dias de hoje: os dalits (sem casta), são completamente excluídos da sociedade, denominados cruelmente "intocáveis” porque são considerados imundos e não podem ser sequer tocados pelos membros da sociedade. Recebem apenas serviços repugnantes, como lidar com lixo, esgoto, cadáveres e outros desse tipo. Até a sombra de um dalit deve ser evitada. - Para que se tenha uma ideia da gravidade da situação, quando os tsunamis de 2004 tragaram a costa de Tamil Nadu, o Estado indiano mais atingido, nem a tragédia foi capaz de fazer com que as vítimas superassem a discriminação: os "intocáveis" simplesmente não receberam nada das autoridades locais. Oficialmente, dez mil pessoas morreram por absoluta falta de cuidados! Registre-se que a sociedade indiana considerou o fato como perfeitamente normal, já que tudo é justificado pela crença na reencarnação (Soma Basu, 'Tsunami or Not, Dalits suffer Discrimination', em indianet.nl/a050712.html, 2005).
Mais: ao contrário do que se divulga, ao longo de toda a sua história o hinduísmo/brahmanismo perseguiu as outras religiões e seus adeptos, em especial os budistas. Pushyamitra Sunga (séc. II aC) foi um monarca brâmane que perseguiu os budistas durante todo o seu reinado, destruindo mosteiros e matando monges. Nas cidades de Bodhgaya, Nalanda, Sarnath e Mathura, grande parte dos mosteiros budistas foram convertidos à força em templos hindus. Esculturas, escritos antigos e obras de arte seculares de valor inestimável foram impiedosamente destruídos (R. K. Pruth, 'Buddhism and Indian Civilization', Discovery Publishing House, 2004, p.83).
** Atualmente, cristãos são perseguidos e mortos na Índia por motivos religiosos (se você tiver estômago forte, assista este vídeo).
• O taoísmo, filosofia espiritualista de origem chinesa, de doutrina introspectiva e supostamente pacífica, também causou destruição e mortes em sua história. Na China, ao fim da Dinastia Tang (1845), o imperador taoísta Wuzong proibiu todas as influências religiosas estrangeiras (zoroastrismo e cristianismo, entre outras), com o objetivo de apoiar o taoísmo. Ao longo de todo o território chinês o imperador mandou confiscar os bens de sacerdotes e fiéis cristãos, bem como de outros religiosos, além de destruir templos, capelas, mosteiros e casas de oração, causando derramamento de sangue de gente inocente pelo único motivo de compactuarem com a religião estabelecida (John Kieschnick. 'The Impact of Buddhism on Chinese Material Culture', Princeton, 2003, p.71). - E não estamos falando da Idade Média: isso aconteceu em pleno século XIX!
• O islamismo é certamente a religião em nome da qual mais se cometeram crimes bárbaros, e que mais deu ao mundo facções terroristas, como as atuais Al Qaeda, Taliban e Irmandade Muçulmana. É também, provavelmente, o regime que mais oprimiu as mulheres em toda a história da humanidade: um mal que, em não poucos países, continua ainda hoje. Tudo isso sem falar na pedofilia institucionalizada pela sociedade teocrática. - Valores medievais impostos à sociedade atual.
Poderíamos avançar infinitamente nessa abordagem das muitas religiões. O espiritismo, por exemplo, por ser um sistema proporcionalmente recente no quadro das religiões mundiais (e portanto surgido depois dos períodos da História mais notadamente marcados pela truculência), não possui um histórico de violência, mas nasceu de um embuste perpetrado por duas irmãs galhofeiras. Iludir pessoas que sofrem a perda de seus queridos falecidos oferecendo um falso consolo, isto não é uma forma sutil de violência e crueldade? E quanto às religiões da "nova era", consideradas pacíficas? Não é um fato que já nos deram Jim Jones, Charles Manson e David Koresh, entre tantos outros? Mesmo assim, muitos comentários que vemos e ouvimos nos dão a impressão de que muita gente realmente acredita que cometer erros ou arbitrariedades em nome da religião seja exclusividade da Igreja Católica.